Há uma falta de um entendimento maior do que é mercado de imóveis de luxo no país

Entrevista | Douglas Strabelli, CEO Sagewood Corporation

Por Imóveis de Valor

Há 30 anos, o Brasil perdia um jovem e promissor jogador de futebol para ganhar um dos nomes mais respeitados do setor de construção civil no Exterior. A história de Douglas Strabelli – CEO e co-fundador da Sagewood Corporation, incorporadora e construtora com sede nos Estados Unidos – começa em Maringá (PR), passa por Madri, Nova York, Florida e, agora, tem novo capítulo aqui mesmo no País, onde pretende entrar em campo já na primeira divisão do mercado imobiliário: o segmento de alto padrão. “Acho que posso ajudar a melhorar a qualidade dos empreendimentos”, diz. Acompanhe na entrevista a seguir.

Você quase foi jogador de futebol?

Douglas Strabelli – Sim, tive até propostas de times da minha cidade, Maringá (PR). Com 18 anos, fui tentar a vida como jogador de futebol em Madri (Espanha). Jogava de segundo volante, não era muito focado, mas jogava bem.

E como chegou na construção civil?

Consegui um emprego numa construtora na Espanha porque jogava futebol. A empresa tinha um time que jogava torneios regionais. Mas logo percebi que não teria vida longa no esporte e tive de aprender o ofício ou morreria de fome. Fui ser pedreiro, pintor, supervisor até abrir meu próprio negócio.

O esporte te ajudou na construção de sua carreira fora dele?

O futebol teve uma importância muito grande na minha vida com empreendedor. Aprendi lições como liderança em campo, não importa em que posição você jogue; trabalho em grupo; valorizar a diversidade, ao competir lado a lado com pessoas de todo tipo de origem e nível socioeconômico. De alguma forma, isso tudo me ajudou em todas as fases da minha carreira.

Como avalia o segmento imobiliário de alto padrão no Brasil?

Vejo que há uma falta de um entendimento maior do que é mercado de imóveis de luxo no país. Cinco ou seis incorporadoras se especializaram nisso e tomaram o mercado. Isso significa que há um espaço muito grande para outras empresas entrarem nesse negócio. E acho que posso ajudar a melhorar os empreendimentos, que já são muito bem-posicionados.

Sua companhia está bem estabelecida nos Estados Unidos. O que te fez olhar para o mercado brasileiro agora?

Primeiro, porque senti que tinha realizado muito em outros países, mas não fiz no meu. E, no fundo, sou brasileiro, apesar de viver há muito tempo fora. Depois, porque há muitas oportunidades aqui dentro do nosso principal modelo de negócio que é o desenvolvimento de projetos em grande escala. Surgiu uma oportunidade no Rio de Janeiro, uma proposta de desenvolver uma área na região serrana. No futuro, a ideia é expandir para outros mercados, como São Paulo, Minas Gerais e na cidade do Rio.

Quinta das Amoras, na região serrana do Rio: projeto de larga escala envolve não apenas o condomínio de alto padrão, mas melhorias urbanas em toda a região ao redor — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Quinta das Amoras, na região serrana do Rio: projeto de larga escala envolve não apenas o condomínio de alto padrão, mas melhorias urbanas em toda a região ao redor — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Por que investir em projetos de grande escala?

Buscamos oportunidades em lugares onde exista espaço geográfico para crescimento. Estamos desenvolvendo um projeto que fica numa área entre North Miami e Ventura que reflete isso. Fica diante do Shopping Ventura, visitado por 28 milhões de pessoas por ano, e bem próxima da Bright Line, a linha ferroviária que liga Orlando a Miami. A ideia é sempre entender – a partir de uma análise de dados e de pesquisa de campo – o tipo de produto que cabe ali e que vai gerar valor não só para a companhia, mas para a região como um todo.

Assim nasceu o projeto do IQ?

O IQ Concept é um complexo em West Aventura que compreende quatro edifícios para “multifamily” (IQ Loft), de médio a alto padrão, com 200 unidades, um edifício de seis andares com 34 apartamentos de luxo (IQ Lux) e outra torre de uso misto (IQ Mix). O VGV é de US$ 250 milhões.

No Loft, os apartamentos serão exclusivos para locação nos primeiros cinco anos. Depois, serão colocados à venda. Criamos também um app de serviços baseado em um grande banco de dados, voltado às pessoas que utilizam dos nossos prédios ‘multifamily’. Elas poderão fechar desde o contrato de aluguel a conseguir um “dog walker”.

No Lux, as unidades poderão ser entregues mobiliadas por meio de parcerias que temos com as marcas Breton e a Ornare. O valor dos apartamentos, que terão até dois dormitórios, está entre US$ 400 mil a US$ 800 mil. E eles serão “no restriction”: poderão ser alugados por seus donos.

Para o projeto Mix, contratamos o escritório Arquitectonica. Será um prédio de 20 andares, com lojas no térreo, cinco pisos com estúdios para a geração Z, muitos “amenities”, lazer e lajes corporativas na parte superior. Será uma âncora para a área e deverá ajudar no desenvolvimento da economia de toda a região.

No edifício Canal by IQ, a proposta é oferecer unidades mobiliadas em parceria com marcas brasileiras — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Que análise faz do atual momento do mercado de incorporação nos Estados Unidos?

Estamos com juros altos e isso tem feito com que os “regional banks” se tornem mais restritivos para liberação de empréstimos a investidores sem experiência no setor imobiliário. Como era antes: você comprava um terreno, aprovava um projeto e levantava 20% de equity para 80% de dívida, tinha uma exposição menor de caixa. Hoje, está em 35/65%. E se você chega no banco para pedir um “loan” sem ter construído ou incorporado nada antes, o comitê não aprova mais.

O lado positivo disso é que estes bancos e instituições de crédito estão pegando estes “deals” que não foram cumpridos e oferecendo a empresas como a nossa, com expertise comprovado no mercado. Isso tem feito nosso pipeline crescer bastante na Florida. A previsão é saltar de US$ 300 milhões para mais de US$ 1 bilhão.

Como começou a empreender de fato?

Foi ainda na Espanha. Após dois anos naquela primeira empresa, abri um negócio de pintura com um amigo goiano que fiz lá. Apareceu um trabalho de reformar um apartamento inteiro e decidi arriscar fazer a obra toda: como conhecia a comunidade inteira de brasileiros, já que a maioria jogava futebol também, montei uma equipe e fizemos o trabalho. O cliente, um iraniano, gostou tanto do nível da entrega que nos indicou a amigos dele. Não paramos mais de trabalhar e, em um ano, a empresa chegou a ter 50 funcionários. Fiquei no ramo por seis anos na Espanha e percebi que minha trajetória não era mais continuar no país.

Perspectiva do prédio de apartamentos “multifamily” em Aventura, no oeste de Miami: foco na geração Z — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Foi o que motivou a mudança para os Estados Unidos?

Sim. Tinha decidido mudar de área e sair da construção civil. Atuava no alto padrão e isso exigia muito da minha presença, para garantir a qualidade. E não tinha maturidade para isso. Neste processo, ganhei dinheiro, mas perdi muito também. É o ‘MBA’ da vida. E decidi abrir um restaurante espanhol com um amigo americano em Nova York. Mas, com três meses de planejamento, percebi que aquilo não era para mim. Sai do projeto e passei mais três meses estudando o mercado e pensando no que fazer.

E voltou ao ramo de construção?

Pois é. Conhecia um brasileiro que tinha uma empresa de reforma na cidade e pedi para trabalhar de graça lá, para aprender como funcionava o método de construção nos Estados Unidos, que é totalmente diferente do que é feito na Europa. Depois, propus comprar metade da empresa com a promessa de entregar crescimento. Em quatro anos, saltamos de três para 50 funcionários. Assumi o comando da empresa e foi o início da Sagewood.

Em parceria com sócios franceses, a Sagewood construiu um edifício boutique de apenas seis apartamentos na rua 52, em Nova York — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Em qual segmento a empresa atuava?

Em Nova York, se faz muito retrofit de prédios e apartamentos. Fizemos mais de 200 projetos assim. Ainda atuamos na cidade, onde temos uma sócia local – Joana Sampaio – e fazemos cerca de 50 obras por ano. E temos alguns marcos históricos: fomos a primeira empresa de brasileiros a construir na Quinta Avenida, com um edifício de 15 andares, em parceria com a JHSF, que foi a incorporadora. É onde fica o Fasano Nova York.

Como foi realizar esse projeto?

Foi desafiador. Teve uma história engraçada: era o governo Trump e faltando dez dias para concretar a última laje, o Serviço Secreto dos Estados Unidos nos procurou avisando que o presidente poderia visitar a cidade a qualquer momento e não poderíamos ter nenhum caminhão estacionado na avenida – o que nos causaria um atraso na entrega e prejuízo financeiro enorme. Avisei o agente americano e tomei o risco: contratei o caminhão e decidi concretar. No final, ele não veio.

Quais outros projetos você destaca em Nova York?

Fizemos um prédio novo na rua 52, com dois sócios franceses, onde demolimos uma townhouse e subimos um edifício de seis andares, onde mantivemos uma unidade sem vender que é nossa.

Outro marco importante foi uma casa que construímos nos Hamptons, onde permanecemos como investidores. Uma mansão de 1.800 metros, de frente para o mar. Uma propriedade de altíssimo padrão, com revestimentos e mobiliário todo importado da Itália e que colocamos para locação, que compensa mais do que vender. Atualmente, a mansão está avaliada em US$ 31 milhões. Nossa clientela de aluguel tem sido de bilionários europeus e CEOs e empresários americanos muito bem-posicionados financeiramente.

Mansão de 1.800 metros quadrados nos Hamptons, balneário de luxo dos novaiorquinos: à venda por US$ 31 milhões — Foto: Sagewood Corporation/Divulgação

Onde os brasileiros têm investido na cidade?

Em geral, nossos clientes compram imóveis na Quinta Avenida, Madison e Park Avenue. São superapartamentos de alto padrão e que ajudamos a retrofitar, em parceria com a arquiteta carioca Cristiana Mascarenhas, que atua por lá há muito tempo.

Como foi parar em Miami?

Após dez anos construindo e incorporando em Nova York, fomos convidados a fazer alguns projetos em Miami. Eram de clientes nossos que não conseguiam parceiros que entregassem o mesmo nível de qualidade. Mas, quando cheguei lá, em 2013, me deparei com a diferença de nível profissional dos trabalhadores locais em relação aos de Nova York. Faltava qualificação.

Quais os motivos?

Tem a ver com o clima, a Florida é muito quente. Há falta de competitividade também, e eles se acomodam. Em Nova York, ou você trabalha bem, ou está fora do mercado. E tem um pouco da imigração latina, embora sejam muito talentosos.

Mesmo assim, decidiu ficar.

Entendi que havia oportunidade ali e, de cara, passei a incorporar dois prédios e 14 casas. Nosso modelo de negócio é desenvolver regiões inteiras e na Florida há espaço para isso, exceto Miami – assim como no Brasil, por isso passamos a criar projetos aqui também. Vamos atuar bastante em Orlando, onde temos três projetos em análise, e em Tampa. E já estamos em Fort Lauderdale, com condomínios residenciais de médio e alto padrão, para dar fluxo de caixa.